terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A Sétima Alma

Primeiro, os fatos. A Sétima Alma é o mais recente longa de Wes Craven, seu primeiro roteiro desde o subestimado O Novo Pesadelo, lá em 1994. A recepção da crítica foi péssima, assim como a do público. De modo geral, os críticos consideram o filme um "amontoado de clichês", uma mistura de A Hora do Pesadelo e Pânico, cheio de péssimos e excessivos diálogos. Muitos disseram se tratar do pior filme da carreira do diretor.

A Sétima Alma começa com um breve flashback, a história de um homem que sofre de múltiplas personalidades, uma delas de serial killer, quando é preso após matar sua esposa e, a caminho do hospital, na ambulância, morre em um acidente. Dezesseis anos depois, um grupo de adolescentes se reúne para comemorar a morte do Estripador, como o assassino ficou conhecido, e também o aniversário de sete deles, nascidos naquela mesma noite. Eis que, entre eles, atrasado, surge Bug, o protagonista do filme, em uma excelente interpretação, aliás, de Max Thieriot. Os jovens brincam com o aniversário da morte, mas Bug leva tudo muito a sério, assustado. O tom do filme começa a se estabelecer, o suspense a partir do banal e uma forte ironia e senso de humor. Na trama, o assassino retorna, possivelmente reencarnado no corpo de um dos sete jovens, para matá-los, um a um.

Bug é um protagonista como nenhum outro, no cinema de horror. Geralmente, o "herói", se não inteligente, possui certa astúcia. Bug é inocente, como é repetido no filme, mas sua inocência é quase débil mental, embora Craven o retrate de forma sempre afetuosa. Aqui temos um garoto que não sabe desligar um aparelho celular, e o recebe, aos 16 anos, como uma novidade. O filme explora essa 'lentidão' do personagem de forma muito diversa da habitual e com um senso de humor bastante inteligente. Ao aparelho de Bug, por exemplo, sua mãe cola um papel com três números de telefone: o dele mesmo, o dela e, abaixo, "Help: 911".

E se Bug não é um protagonista comum, A Sétima Alma está muito longe de ser um slasher comum. Craven sempre misturou admiravelmente, em seus melhores filmes, o humor com o suspense, dando praticamente a mesma importância aos dois elementos. Aqui, entretanto, a comicidade tem toques inusitados, um pouco absurdos. O tema do filme, o amadurecimento do protagonista e sua passagem para a fase adulta, é muitas vezes abordado dentro de diálogos cômicos, misturados a situações de suspense, o que gera um raro e salutar estranhamento. Os criticados diálogos, aliás, são muitas vezes ótimos, como quando Bug e seu melhor amigo conversam sobre fingir ser um homem adulto, mesmo não sendo. É uma cena de diálogo, cômica, em que a trama avança e os personagens e suas relações se desenvolvem, tudo ao mesmo tempo.

O roteiro, sim, é tomado por diversos clichês do gênero, mas para serem subvertidos. Por exemplo, perto do final do filme, temos o momento que seria de uma grande revelação, típico do gênero, sobre o passado de um personagem. Curiosamente, Craven praticamente entrega ao espectador, antes da hora, essa informação - que fora adiada por tanto tempo. Quando o personagem é informado, o público deixa de ser pego de surpresa, o que, dentro do gênero, não deixa de ser surpreendente. Mas, logo antes, de forma totalmente cotidiana, sem alarde, há uma considerável surpresa, envolvendo a personagem Fang, escrotinha-chefe que comanda seu grupo de amigos, na escola.

A conclusão da história também foi alvo de críticas, por ser excessivamente dialogada e explicativa. Equívoco, pois está claramente inserida na proposta de brincar com o gênero e com as expectativas da platéia, chegando ao ponto de um personagem fazer piada com uma das possíveis versões que o filme cria para o retorno do Estripador. Craven joga o tempo todo, criando suspense em torno de uma grande revelação que, por si só, não tem a menor relevância: no corpo de qual deles voltou o Estripador? É lógico que vai existir uma importância fundamental para essa escolha, mas o jogo de adivinhação, na forma clássica dos slashers, é completamente sem sentido.

Há outro grande momento, como a cena do Condor, na escola, em que Craven aproveita para fazer humor, e até um estranho tipo de suspense, a partir de uma metáfora com que o filme trabalha. Certamente é um de meus filmes preferidos, e mais injustiçados, de 2010.

Boa Sorte

A coisa vai ser vagabunda por aqui, mesmo.